Quem assume é o Sarney
Por Roberto Veloso
Em 1985, a grande maioria dos meus alunos ainda não havia nascido, portanto não vivenciaram a rica história da transição do governo dos militares para o dos civis. Em rápidas palavras, tentarei contar um episódio muito interessante, que demonstrou o compromisso dos militares com a Democracia em um momento de extrema delicadeza.
Depois de uma campanha acirrada para a presidência da República, Tancredo Neves é eleito no Colégio Eleitoral em uma coligação do PMDB e do PFL. Este último era uma dissidência do PDS, cujo candidato foi Paulo Maluf. A eleição aconteceu no dia 15 de janeiro e a posse estava marcada para o dia 15 de março de 1985.
Nesse ínterim, as articulações estavam fortes para formação do novo governo, entre os convidados estava Francisco Dornelles para ocupar o Ministério da Fazenda, Antonio Carlos Magalhães para o das Comunicações e o general Leônidas Pires Gonçalves para ocupar o cargo de ministro do Exército.
Mas, o imponderável aconteceu e no dia 14 de março Tancredo Neves adoeceu e foi submetido a uma cirurgia no Hospital de Base de Brasília. A sociedade brasileira ficou atônita diante daquele episódio pois não sabia quem assumiria a presidência diante da insólita situação. Havia toda sorte de opiniões, uma das mais fortes era de que o presidente da Câmara, Ulisses Guimarães, assumiria e convocaria novas eleições.
Estava formada a confusão jurídica e política, porque o povo em geral e a classe política em particular estavam preparados para, no dia seguinte, o primeiro civil, após 20 anos, assumir a presidência da República. Muitos constitucionalistas de plantão davam as mais variadas opiniões. Muitas desconectadas da realidade da Constituição Federal.
O general Leônidas Pires Gonçalves contou que no dia 14 de março, à noite, estava na Academia de Tênis de Brasília, jantando com amigos. Por volta das 21 horas, tocou o telefone, era o general Ivan de Souza Mendes, chefe da Casa Militar da Presidência, que lhe disse: “O presidente eleito está chegando ao Hospital de Base, vá para lá”.
Segundo o general, ao chegar no hospital se deparou com José Sarney, José Frageli, presidente do Senado, Marco Maciel, Francisco Dornelles, sobrinho de Tancredo e futuro ministro da Fazenda, Antonio Carlos Magalhães e outras autoridades. A discussão era sobre quem assumiria no dia seguinte. A resposta do general: quem assume é o vice-presidente, o Sarney.
De acordo com reportagem publicada pela Agência Senado, Sarney declarou que o general Leônidas Pires Gonçalves foi peça-chave para a tranquilidade da transição, que ocorreu sem traumas e violência. Para Sarney, a transição demonstrou que a articulação promovida por Tancredo Neves e conduzida por ele, Aureliano Chaves e José Richa, foi coroada de êxito.
Não se pode negar a contribuição de Sarney para o Brasil, entregou a nação pacificada em eleições realizadas diretamente para todos os cargos, inclusive para o mais alto da República. Convocou uma Constituinte e no seu governo todos os partidos puderam se organizar. Para tudo isso, as Forças Armadas cumpriram a sua função constitucional de garantir o funcionamento dos poderes constituídos.
Por essa e outras razões, vivemos em uma Democracia duradoura, estável, sem percalços, com todas as instituições funcionando plenamente e resolvendo os problemas dentro da ordem constitucional estabelecida. Nesses trinta e quatro anos, o poder foi exercido por várias correntes partidárias, com a chancela da Justiça Eleitoral.
Conta Sarney para a Agência Senado que na madrugada do dia 15 de março, no meio de tantas discussões e apreensões, recebeu às 3 da manhã um telefonema do general Leônidas Pires Gonçalves dizendo que ele subiria a rampa do Planalto na manhã que se avizinhava. Sarney diz lembrar das últimas palavras daquela ligação: “Boa noite, presidente”.
Roberto Veloso é Ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe