ATÉ TU ? | Braide recorre de decisão que decretou ilegalidade do “confisco” de créditos não usados por passageiros
Por Isaías Rocha – Jornalista e Advogado
Como se não bastasse o reajuste de R$ 0,30 na passagem de ônibus no período do Carnaval, a gestão do prefeito Eduardo Braide (PSD), por meio da Procuradoria Geral do Município (PGM), recorreu da decisão do juiz Marcelo Elias Matos e Oka, respondendo pela Vara de Direitos Difusos e Coletivos, que declarou a ilegalidade da prática de confiscar os créditos expirados nos cartões de transporte dos consumidores.
Em fevereiro de 2020, a Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE/MA), por meio do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), ajuizou Ação Civil Pública contra o Município de São Luís e o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros de São Luís (SET) devido à retenção de créditos para utilização no sistema de transporte coletivo da capital.
Na época, a Defensoria alegou que recebeu reclamações de usuários do sistema de transporte coletivo da cidade, que foram surpreendidos com a retenção de seus créditos, de forma repentina e sem a devida informação prévia, em razão da não utilização dos valores no prazo de 365 dias.
Diante disso, foi realizada uma reunião com representantes do SET, da Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes de São Luís (SMTT) e das concessionárias Upaon Açu e Viação Primor para esclarecer a situação. Durante o encontro, o SET sustentou a previsão legal para a prática com base no Decreto Municipal nº 47.873/2016, que regulamenta a Lei Complementar Municipal nº 05/2015, bem como previsão no edital de licitação e no contrato de concessão firmado com o Município de São Luís.
Além disso, o SET também alegou que as empresas permissionárias, que atuavam antes da licitação do sistema de transporte, receberam valores sem precisar fornecer o serviço, ao passo que as concessionárias, após a licitação, teriam prestado o serviço sem receber os valores. E, para equilibrar tal situação, o contrato de concessão previu a possibilidade de expiração dos créditos.
Abuso ao usuário de transporte
De acordo com os defensores que acompanham o caso, ao contrário do alegado pelo SET, a prática de expiração dos créditos não encontra respaldo legal, tendo em vista que a disposição não se encontra positivada nas leis municipais que regem o tema, mas apenas em Decreto Municipal, que não poderia ter criado norma restritiva de direitos não prevista em lei.
Além disso, as concessionárias e o SET têm se valido de uma decisão administrativa liminar proferida pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (TCE/MA) como forma de justificar a legalidade do repentino início de bloqueios dos créditos. Contudo, há duas decisões judiciais em sentido contrário, inclusive do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, negando provisoriamente a possibilidade de expiração dos créditos.
Para evitar severos prejuízos aos consumidores ludovicenses e enriquecimento sem causa às concessionárias, o órgão ingressou com uma Ação Civil Pública que foi autuada sob o nº 0807366-06.2020.8.10.0001, e distribuída para o Juízo da Vara de Interesses Difusos e Coletivos de são Luís/MA.
Em decisão, publicada no dia 14 de dezembro de 2021, o juiz Marcelo Elias Matos e Oka acolheu os pedidos formulados pela DPE, com fulcro no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, e, por conseguinte, declarou a ilegalidade da prática de retenção dos créditos eletrônicos expirados dos consumidores, uma vez que o art. 30 do Decreto Municipal nº 47.873 de 15 de março de 2016 e os demais atos normativos dele decorrentes incorreram em violação ao princípio do direito à informação e a boa-fé objetiva.
O que diz a Justiça maranhense
“No caso ora analisado, embora determinada pelo Decreto Municipal nº 47.873/2016 e prevista no edital de licitação a expiração de créditos referentes ao sistema de bilhetagem eletrônica no prazo de 365 dias, em favor das prestadoras do serviço, essa medida/previsão era desconhecida pela maior parte da população e nunca havia sido adotada na prática, o que somente ocorreu no início do ano de 2020”, afirmou o magistrado.
A decisão destaca ainda que os réus promoveram de forma repentina o bloqueio dos créditos dos consumidores/usuários com a retenção de seus créditos, ofendendo os princípios da informação e boa-fé objetiva, uma vez que os consumidores já estavam adaptados ao costume de não existir retenção de valores em razão do lapso temporal decorrido.
“Deixo de condenar os réus em dano moral coletivo considerando os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo (Decreto-Lei nº 4.657/42, art. 22). Especialmente considerando o contexto de recuperação econômica advinda dos prejuízos ocasionados pela pandemia do Covid-19, e que eventual condenação a esse título poderia pressionar mais o sistema de transporte coletivo e servir de justificativa para eventual aumento de passagens, o que ocasionaria o inverso da finalidade da presente ação, que é trazer benefícios ao usuário de transporte público”, completou o julgador.
Prefeitura recorre
Após a sentença, a prefeitura de São Luís, através da Procuradoria Geral do Município (PGM) entrou com recurso de apelação para manter o “confisco” dos valores que excederem a validade — de um ano — nos cartões dos usuários alegando que o contrato de concessão previu a possibilidade do equilíbrio do sistema com uso da expiração dos créditos.
Já as empresas sustentam que as disposições do edital licitatório nº. 004/2016/PL define crédito flutuante como a diferença entre o valor arrecadado com a venda de passagens, por qualquer meio, e aquele devido às Concessionárias em razão dos passageiros transportados, bem como que as concessionárias deveriam assegurar somente a utilização do crédito flutuante apenas pelo prazo de um ano. Nem um lado nem outro, contudo, informam as cifras que estão em jogo.
A Apelação Cível foi distribuída para análise da 2ª Câmara Cível e desde o dia 27 de dezembro do ano passado está à disposição da desembargadora Nelma Celeste Sarney Costa, aguardando uma decisão da magistrada que será a relatora do processo.
Confisco gerou danos morais
Não é a primeira vez que o confisco dos saldos dos cartões que perdem a validade após 12 meses motiva uma decisão judicial. Em março do ano passado, o juiz Júlio César Lima Prazeres, titular do Juizado Especial Cível e Criminal de São José de Ribamar, Comarca da Ilha de São Luís, condenou o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros de São Luís (SET) a pagar indenização de R$ 3 mil por danos morais a uma usuária do sistema de transporte que passou por constrangimento, após o ‘sumiço’ de quase R$ 2 mil reais em créditos de vale transporte não utilizados.